Precisamos de coerência no PNEC 2030 O Governo português submeteu a revisão do PNEC 2030 no passado mês de julho. Entretanto, está a decorrer uma consulta pública para recolha de comentários, até ao dia 5 de setembro. Sendo um período de férias, é provável que tenha passado despercebida para muitos. Mas vale a pena refletir sobre o tema.
Consideramos que para ter sucesso, há que garantir total coerência entre três parâmetros: os objetivos para a década, e não podemos esquecer que já estamos quase a meio; os objetivos a médio / longo prazo; e as linhas de atuação com as respetivas medidas de ação propostas. Da leitura atenta que fizemos, parece-nos haver algumas falhas. Julgamos que muitas delas resultarão de contribuições de diferentes órgãos da administração pública, nalguns casos com aparentes visões diferentes sobre o caminho a seguir.
Em particular e no que diz respeito ao setor dos transportes, um dos mais relevantes para a nossa associação, essa questão manifesta-se em várias partes do documento. Gostaríamos de recordar que cerca de 98% da energia consumida nos transportes provém de combustíveis líquidos, já parcialmente descarbonizados com a mistura de biocombustíveis sustentáveis. Aliás, a quase totalidade da incorporação de energia renovável e consequente redução de emissões de GEE nos transportes, foi até hoje conseguida por essa via. A eletrificação dos transportes, com exceção do modo ferroviário, para além de muitos desafios tecnológicos, económicos e sociais, levará o seu tempo e nunca poderá cobrir todas as situações.
Apraz-nos, por isso, registar a inclusão dos combustíveis de baixo carbono, quer de origem biológica quer sintéticos, no plano e nalgumas medidas de ação. Contudo, notamos alguma falta da coerência acima referida. Por exemplo, como podemos querer que se façam os investimentos necessários à sua produção e utilização, se a Comissão Europeia continua a advogar emissões zero à saída do tubo de escape, quer para veículos ligeiros quer pesados? Bem, pelo menos, não estendem esse conceito aos modos aéreo e marítimo… Para ilustrar esta incoerência, damos como exemplos um veículo elétrico consumindo eletricidade produzida a partir de combustíveis fósseis, e um veículo com motor de combustão interna que utiliza um combustível 100% renovável. O primeiro é considerado “zero emissões”, ignorando todos os GEE emitidos quer na produção da eletricidade quer na construção do veículo; o segundo é tratado como um veículo poluente. Esta questão só se resolve com a alteração do critério, passando do conceito de só considerar as emissões resultantes da utilização, para uma análise de ciclo de vida completo, considerando todas as vertentes associadas à produção, distribuição e consumo da energia, e também na obtenção dos materiais necessários à construção dos veículos, para além da sua utilização.
Achamos, ainda, que falta desenvolver um plano nacional para os combustíveis de baixo carbono, à semelhança do que foi feito para outros vetores energéticos, como são o caso da geração de eletricidade a partir de várias fontes renováveis, e mais recentemente para o hidrogénio verde e para o biometano. Acreditamos que há sinergias que deverão ser explorados, de modo a encontrar as soluções mais custo-eficientes e socialmente mais justas.
Dito isto, saudamos as alterações introduzidas no PNEC 2030, que o tornam mais abrangente e inclusivo. Mas há muito mais a fazer, especialmente para os planos que se seguirão para os períodos temporais seguintes. Só assim conseguiremos a coerência acima referida, que trará consigo a previsibilidade e estabilidade regulatórias necessárias ao grande desafio da descarbonização da economia, para o qual temos de aliciar e envolver toda a sociedade.
António Comprido, Secretário Geral da EPCOL
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