O futuro da descarbonização da frota automóvelA União Europeia (EU) assumiu o compromisso de tornar-se neutra em emissões líquidas de carbono até 2050, melhorando o uso eficiente de recursos, transitando para uma economia limpa e circular, restaurando a biodiversidade e reduzindo a poluição. Com o recente conjunto de propostas legislativas “FIT FOR 55”, a UE pretende impulsionar este compromisso e regulamentar a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) para pelo menos 55% até 2030.
Na EU, o setor da mobilidade representa cerca de 25% das emissões de GEE. Para as reduzir estas emissões, a estratégia adotada deve ponderar todas as soluções viáveis para a sua descarbonização, promovendo a economia circular dos seus ativos e das matérias-primas, assim como a diversificação de vetores energéticos de baixo carbono.
O mais recente estudo da ACAP indica que, em dezembro de 2020, a idade média da frota portuguesa de veículos ligeiros de passageiros era de 13,2 anos, com 62.6% da frota acima dos 10 anos e 22,6% com mais de 20 anos. No caso do transporte ligeiro de mercadorias e de pesados de passageiros, a idade média é de 14,9 e 14,7 anos, respetivamente. Adicionalmente, segundo a Valorcar, em 2020, a idade média de veículos em fim de vida era de 22,6 anos, refletindo o envelhecimento do parque automóvel nacional. Estes indicadores fazem transparecer a importância da aposta na descarbonização da atual frota automóvel com motores a combustão interna, pois mesmo os veículos novos, comercializados hoje, ainda poderão estar em circulação em 2040. Como tal, para cumprir as ambiciosas metas de Portugal e da EU torna-se indispensável aumentar a incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários, bem como incentivar o desenvolvimento de outros combustíveis líquidos de baixo ou nulo teor de carbono.
Os indicadores da Agência Europeia do Ambiente (EEA - European Environment Agency) indicam que apenas dois países Europeus (Finlândia e a Suécia) superaram a meta de redução de 6% de emissões de GEE nos combustíveis rodoviários vendidos, em comparação com 2010, que foi imposta pela Diretiva da Qualidade dos combustíveis (FQD - Fuel Quality Directive). Este sucesso deve-se à alta proporção de biocombustíveis incorporados, particularmente com uma baixa intensidade carbónica, com a garantia do cumprimento dos critérios de sustentabilidade da matéria-prima definidos pela diretiva das energias renováveis (RED – Renewables Energy Directive).
A nível nacional, o compromisso de descarbonização da atual frota automóvel tem vindo a ser conseguida através do aumento da percentagem de incorporação de biocombustíveis sustentáveis. Esta incorporação é regulada pelo governo português, estando atualmente fixada em 11% em teor energético para 2021, sendo que 0,5% devem corresponder a biocombustíveis avançados. No entanto, é necessário estabelecer metas mais ambiciosas, integradas e justas para o meio ambiente e população – sendo a forma mais eficaz considerar metas em função da redução de emissões.
Primeiro há que considerar que a atual incorporação de biocombustíveis é realizada em função do teor energético ou através de títulos de biocombustíveis, o que faz com que a sua incorporação em percentagem não seja equivalente em volume e, como tal, refletindo-se numa menor redução de emissões de CO2.
Adicionalmente, a tributação da incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários, cujo custo ainda é superior, acaba por ser realizada da mesma forma que os combustíveis fósseis, sendo aplicado o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) independentemente do seu teor energético ou intensidade carbónica.
Nos combustíveis rodoviários, a taxa de carbono e a contribuição de serviço rodoviário estão incluídas no ISP que, por definição, se aplica à venda ou consumo de produtos petrolíferos. Em 2021, a taxa de carbono correspondeu a cerca de 12% do ISP no gasóleo rodoviário, 8% na gasolina e 21% no GPL Auto. Esta é uma taxa fixada anualmente e é definida em função do volume (em litros) do combustível abastecido. Este pressuposto faz com que se assuma que os 11% de biocombustíveis incorporados tenham a mesma intensidade carbónica que os combustíveis fósseis.
A evolução dos mercados de licenças de emissões de CO2 - Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE) indica que os preços das licenças de emissões sofreram um aumento de mais de 78% face ao período anterior, passando de uma média de 24€/ton entre Outubro de 2019 e Setembro de 2020 – período que define a taxa de carbono para 2021 – para uma média de 43€/ton entre Outubro de 2020 e Setembro de 2021 – período que definirá a taxa de carbono para 2022. Devido ao aumento dos preços da energia decorrente da crise energética provocada pela recuperação dos mercados internacionais após a crise pandémica SARS-CoV-2 e do consequente desequilíbrio entre a oferta e procura, o governo já veio anunciar medidas temporárias para minimizar o impacto causado aumento dos preços dos combustíveis rodoviários, nomeadamente o congelamento da taxa de carbono até março de 2022. No entanto, e considerando que existe uma proporção direta entre este valor e a taxa de carbono, estima-se que que, após esse período, os combustíveis rodoviários possam sofrer um aumento ente 4 e 5 cêntimos/litro (sem iva) devido aos preços do carbono.
Assumindo o compromisso para uma económica neutra em carbono, passar a considerar a taxa de carbono em função das emissões reais de cada produto minimizaria o custo associado à incorporação de biocombustíveis e/ou redução de emissões, refletindo-se no preço final para o consumidor e incentivando o uso dos combustíveis de baixo carbono, cujo papel é inquestionável na descarbonização da economia e na construção de um futuro mais sustentável.
Importa finalmente considerar que, enquanto os governos estão a adaptar as suas políticas para incentivar uma estratégia relativamente ao combate às alterações climáticas, torna-se imperativo que a equação da mobilidade tenha também em conta as necessidades de mobilidade da população, os constrangimentos ambientais e as questões sociais, de forma que ninguém fique para trás no processo de transição energética e se encontrem as soluções mais custo-eficientes, evitando discriminações negativas que podem seriamente comprometer esse desiderato.
Ana Rita Gomes, Ambiente, Qualidade e Segurança, Apetro
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