Na sequência das crescentes evidências sobre a potencial escassez e dependência de fornecedores externos à UE de matérias-primas para a produção de baterias, somos de opinião, e o bom senso corrobora, que a UE deveria tendencialmente preferir uma abordagem tecnológica inclusiva de todas as soluções válidas e formalmente reconhecidas para garantir a descarbonização de veículos pesados (HDV Heavy Duty Vehicles), em benefício do clima, da segurança do abastecimento, da respetiva cadeia de valor e em última instância dos consumidores.
Não se entende portanto, que o Parlamento Europeu tome decisões referentes às futuras emissões de CO2 dos veículos pesados vendidos no mercado da UE, que não sejam inclusivas, que não apoiem uma definição coerente e compatível com a Diretiva das Energia Renováveis (RED Renewable Energy Directive), nomeadamente integrando os “combustíveis neutros em termos de CO2”, e que finalmente, não incluam a metodologia do Fator de Correção de Carbono (CCF Carbon Correction Factor) na contabilização das metas de emissões dos fabricantes de veículos (OEM Original Equipment Manufacturers).
A exclusão arbitrária de soluções técnicas concorrentes e sustentáveis tem como consequência um processo de descarbonização não eficiente, com custos acrescidos das mercadorias transportadas e consequências negativas para quem importa proteger, os consumidores finais.
O CCF é uma metodologia que corrige a abordagem simplista de medição de emissões de CO2 no “tubo de escape”, não levando em conta a contribuição dos combustíveis neutros em emissões líquidas de CO2 para a atmosfera, para o cumprimento das normas futuras respeitantes a estas emissões dos veículos pesados. Não se trata de um desconto nas ambições de redução de emissões da UE e os OEMs continuam livres para decidir como cumprir as suas próprias metas de descarbonização, seja através de utilização de motores elétricos com baterias, com célula de combustível a hidrogénio ou com motores híbridos/de combustão interna (plug-in).
A RED, recentemente revista e aprovada, já obriga os fornecedores de combustíveis a disponibilizarem anualmente uma quota mínima de 29% de energia renovável ao setor dos transportes, incluindo pelo menos 5,5% de combustíveis renováveis de origem não biológica RFNBOs (Renewable Fuels of Non-Biological Origin) e biocombustíveis listados no respetivo Anexo IX A. Esta quota proporcionará uma redução das emissões de GEE de pelo menos 14,5% até 2030 neste setor.
Por sua vez, e cumulativamente, a Diretiva de Comércio Europeu de Licenças de Emissão II ETS II (Emissions Trading Scheme Directive II), especificamente aplicável a Edifícios e aos Transportes terrestres, limitará ainda mais as emissões de CO2 provenientes dos transportes mas nem a RED nem a ETS II são reconhecidas, nem articulam convenientemente com as normas de emissões de CO2 para todos os veículos como seria expectável e obviamente desejável.
Entretanto, e por sua vez, o CCF não é uma medida que se opõe à eletrificação e/ou que é contrária à ambição climática europeia. Incentivando fortemente a substituição dos combustíveis fósseis, representa a forma mais rápida de reduzir as emissões de GEE provenientes dos transportes rodoviários, mais rapidamente do que qualquer outra alternativa. Os combustíveis neutros em CO2 são, portanto, complementares à eletrificação, acelerando a redução das emissões líquidas de CO2 para a atmosfera.
Adicionalmente, convém também esclarecer que a biomassa ou matéria-prima para a produção de combustíveis de baixo carbono, não é escassa como aliás vem demostrado no estudo realizado pelos consultores do Imperial College London para a Concawe.
O potencial de disponibilidade de biomassa sustentável é mais do que suficiente para permitir que os biocombustíveis avançados e obtidos a partir de resíduos contribuam juntamente com outras soluções para a descarbonização desejada. Segundo aquele estudo a disponibilidade de biomassa sustentável, sem causar danos na biodiversidade e corrigindo excessos em parte responsáveis pela devastação de tantos incêndios sobretudo no sul da UE, pode apoiar uma produção avançada de biocombustíveis na UE de até 97 Mtep em 2030 e de até 175 Mtep em 2050.
Finalmente, e em complemento com quanto acima, utilizando o comparador desenvolvido pela IFP Energies Nouvelles para Concawe,que permite a avaliação detalhada e em condições simuladas para o dia a dia, das emissões de CO2 para a atmosfera em ciclo de vida dos HDVs, podemos comparar os desempenhos de diferentes grupos motopropulsores num mesmo tipo de veículo pesado e concluir que, se for utilizado um motor de combustão interna ICE (Internal Combustion Engine) híbrido plug-in, alimentado com combustíveis de baixo carbono, as emissões de CO2 são muito semelhantes às registadas na opção alimentada por baterias e, em alguns casos, a tecnologia híbrida tem mesmo um desempenho superior.
Em resumo, os combustíveis renováveis, de zero ou baixo carbono, são tão eficazes como a eletromobilidade para o objetivo desejado de reduzir as emissões de CO2 para atmosfera tendo a vantagem de poderem ser imediatamente utilizados pela frota existente pelo que dificilmente se entende a falta de coordenação entre diretivas por um lado e, por outro, a exclusão sistemática de alguma da legislação recente e em preparação relativa às emissões de veículos ligeiros e pesados, bem como dos planos a curto e médio prazo para a descarbonização dos transportes terrestres na UE.
Guido Albuquerque, Assuntos Internacionais, Apetro